Funk na sala de aula
O debate sobre o uso do gênero musical para uma educação antirracista
atualizado
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Em 2016 a professora de Sociologia Gabriela Viola foi afastada por uma semana da escola onde dava aulas, na periferia de Curitiba. Motivo: um vídeo em que os alunos de ensino médio faziam uma paródia da canção “Baile de Favela” usando conceitos marxistas viralizou. Se você a conhece, pode cantar: “Os burgueses não moram na favela. Estão nas empresas explorando a galera. E para os proletários o salário é uma miséria. Essa é a mais-valia vamos acabar com ela”.
Não vamos discutir o Escola sem Partido, uma caça às bruxas ideológica temperada com fake news de uma direita que não coloca os pés dentro da sala de aula. Outra questão que não vamos debater é o preconceito cultural, que despreza funk e diz que não é música – o samba já ouviu isso também. Nem vamos falar de Oruam ou Poze do Rodo. A pergunta é outra. O funk pode ser uma ferramenta pedagógica?
Suas possibilidades e embates são tema de discussão do artigo “Os usos do funk na educação antirracista: pensando o poder da música”, escrito por Bruno Muniz e Marcos Antonio Batista da Silva e publicado na Eccos Revista Científica, da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), em 2022.
Nessa conflito, a sala de aula é palco de um jogo político. Entre seus atores, a Lei nº 10.639/2003, criada para valorizar o ensino da História e Cultura Afro-brasileira; o funk, dominando os ouvidos dos jovens e a indústria cultural periférica; um conteúdo que tem dificuldade para dialogar com as necessidades contemporâneas dos alunos; um contexto conservador e moralista que ignora as expressões artísticas e religiosas da negritude.
O trabalho é um levantamento bibliográfico que defende uma análise da produção acadêmica sobre o funk e os estudos das relações étnico-raciais em prol de uma educação que trate de “assuntos de raça e de justiça social, de igualdade racial/étnica, assuntos relacionados a poder, a exclusão, e não somente aspectos culturais”.
Diversos autores têm problematizado o tema. Izaú Gomes adverte que é necessário reconhecer e emancipar o corpo negro. O funk mostra aos alunos as “condições de (sobre)vivência a partir de suas produções musicais” e a lutarem por uma sociedade mais igualitária. Mas segundo o autor, “ainda há silenciamentos, distanciamentos, controles e coações” para esta prática no espaço educacional.
José Carlos Teixeira Júnior afirma que o funk é uma “prática musical da diáspora negra fortemente presente no cotidiano da escola municipal carioca de ensino fundamental, com professor, sem professor e apesar do professor!” Para Edinaldo Soeiro Júnior “o funk deixou de ser entendido apenas como funk, mas como um meio para se pensar a própria condição de vida, as tensões raciais e sociais, […] que recaem sobre certos corpos”.
É um debate que escancara a iniciativa dos alunos de inserirem o funk no ambiente escolar e a oposição de gestores de incluir no currículo esse gênero de dança ‘imoral’. Há também a visão de outros autores de que “um ensino musical realmente democrático deve proporcionar aos alunos o maior número possível de experiências musicais”, e não somente o funk. O que é corretíssimo, mas só o pancadão é proibido.
Termino com as palavras da professora Gabriela Viola, em trecho de reportagem do El Pais na época: “Eu moro no Taquara [periferia de Curitiba e bairro da escola] e sei que o estilo preferido aqui é o funk, e não a música clássica. Tratar o funk como um estilo inferior é etnocêntrico”. A letra original [de “Baile de Favela”], que a professora considera machista, também foi questionada e debatida. “Eu quis trabalhar com aquilo que os alunos já tinham de bagagem, dando um novo significado à música. Para mim, a educação deve respeitar a realidade do aluno”. Após o afastamento, a professora teve que submeter seu trabalho a um “acompanhamento pedagógico” especial.