Líder do Gueto de Varsóvia condenou o sionismo
Marek Edelman viveu os horrores do nazismo e demonstrou solidariedade aos palestinos
atualizado
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“O sionismo é uma causa perdida; “ser judeu significa sempre estar com os oprimidos, nunca com os opressores”. Essas duas frases são de Marek Edelman, um dos líderes e sobrevivente do Gueto de Varsóvia. Morto em 2009, sua vida e suas palavras permanecem, assim como a pergunta: por que o movimento sionista liderado por Netanyahu repete os horrores de Varsóvia em Gaza?
A indignação leva a uma associação direta entre os dois massacres: confinamento, fome, violência contra civis, desumanização, a força desproporcional de um Estado militarmente bem aparelhado. Um horror que não se remete ao conflito recente, mas aos 75 anos de opressão contra os palestinos.
Em 2002, Edelman escreveu uma carta aberta aos movimentos de libertação da Palestina. Foi um pedido de negociação. “Em nenhum lugar do mundo uma força guerrilheira pode alcançar uma vitória definitiva, em nenhum lugar ela pode ser derrotada por exércitos fortemente armados. Nem sua guerra pode chegar a uma resolução. Sangue será derramado em vão e vidas serão perdidas em ambos os lados. Olhe para a Irlanda. Após 50 anos de guerra sangrenta, a paz chegou. Antigos inimigos mortais sentaram-se à mesma mesa. Olhe para a Polônia, para Lech Walesa e Jasec Kuron. Sem disparar um único tiro, o sistema comunista criminoso foi derrotado”, escreveu.
Foi duramente criticado pela imprensa israelense por se dirigir respeitosamente aos grupos armados palestinos, como pessoas envolvidas no mesmo tipo de luta que ele havia travado. No entanto, ele salientou que nenhuma circunstância justificava os ataques suicidas dos terroristas. Para Marek Edelman, “nunca mais” significava “nunca mais para ninguém”. Foi uma declaração de solidariedade.
Embora Edelman fosse um crítico do sionismo e de algumas políticas de Israel, ele não era antissionista em sentido tradicional. Ele se preocupava com a situação dos palestinos e com a violência no conflito, mas também reconhecia a necessidade de segurança para o povo judeu. Ele defendia a formação de dois estados. “A cultura israelense não é a cultura judaica. Se você quer viver entre milhões de árabes, tem que se misturar com eles”.
Sobre a experiência no Gueto de Varsóvia, disse em diversas entrevistas frases que ecoam a cada bombardeio em Gaza: “Um ser humano sem saída não tem esperança. Naquele tempo não via pessoas que estavam em busca de Deus. Eles estavam procurando um esconderijo, mas não Deus”; “Estar com alguém era a única maneira de sobreviver no Gueto. As pessoas [no gueto] foram atraídas umas pelas outras como nunca antes, como nunca na vida normal”
Amar é tema do livro “Também houve amor no Gueto” (tradução livre, sem publicação no Brasil) “Isso é algo que as pessoas ainda não sabem ou não entendem, e é por isso que é tão importante apontá-lo – que se você é capaz de amar, se você ama [alguém], você permanecerá uma pessoa normal, mesmo nas circunstâncias mais horríveis. “O ódio é fácil, o amor exige esforço e dedicação”]
Nascido em 1919, Edelman era membro do grupo judeu antissionista Bund. Como socialista organizado, ele ajudou a montar uma rede clandestina dentro do gueto. A revolta do Gueto foi um levante armado contra as deportações para campos de extermínio, iniciada em 19 de abril de 1943 e durou aproximadamente um mês, mesmo com poucas armas.
Após a guerra, trabalhou como cardiologista na Polônia e manteve-se em silêncio sobre a experiência do gueto até 1976, quando deu uma entrevista sobre a Revolta de Varsóvia para a imprensa clandestina do país. Em 1983, quando o governo polonês pediu que ele se juntasse ao comitê organizador de uma comemoração do 40º aniversário do levante do gueto, Edelman recusou, afirmando que fazer isso “seria um ato de cinismo e desprezo” em um país “onde a vida social é dominada pela humilhação e coerção”.
Moshe Arens, ex-ministro da Defesa e ministro das Relações Exteriores de Israel, irava Edelman e tentou, sem sucesso, obter o reconhecimento oficial do estado israelense. Após a morte de Edelman, Arens declarou ao jornal Haaretz: “Muitos dos sobreviventes da revolta que se estabeleceram em Israel não podiam perdoar Edelman por suas frequentes críticas a Israel. Tentei convencer várias universidades israelenses a concederem a Edelman um doutor honoris causa, mas deparei-me com uma oposição dos historiadores do Holocausto em Israel. Ele morreu sem receber o reconhecimento de Israel que tanto merecia
Uma última frase de Edelman: “Em tempo de guerra, você ganha uma medalha por matar alguém, enquanto em paz, você vai preso [por isso]. Isso é moralidade”.